28 de junho de 2016

As Maldades de Sempre: A Falácia da Suspensão dos Concursos

Os concurseiros de primeira viagem estão desanimados com as notícias de que não ocorrerão concursos. Se você é um deles, leia este textos.

Não sofra com as maldades de quem deveria ajudar, mas atrapalha. Não se deixe desanimar pelas falas pouco sábias de nossos governantes. E, menos ainda, pela miopia administrativa que os assola. Pior, este tipo de mentalidade mantém-se viva tanto em governos do PT quanto do PMDB. Pior que eles, anoto, só o PSDB, que historicamente é aquele que menos realiza concursos. E, mesmo assim, pasmem: os realiza. Sim, é certo que alguns administradores canhestros, de todos os partidos, gostariam de acabar com os concursos. Preferiam colocar nos cargos amigos, parentes, amantes, cabos eleitorais e desocupados incompetentes, coisa que fazem com boa parte dos cargos comissionados. Porém, felizmente, em todos os partidos há aqueles que leem a Constituição e sabem que não há como fugir disso: os concursos precisam ser realizados. Adiou aqui, acumulou mais um para fazer ali, daqui a pouco.

A pequenez mental ultrapassa a mera tentativa de não cumprir a Constituição. Ela ignora que os servidores ou aumentam a arrecadação e combatem o crime e o custo Brasil, como auditores-fiscais e do trabalho, policiais e advogados públicos, ou cumprem as missões constitucionais, como professores, médicos, enfermeiros e defensores públicos. Em suma, falta a muitos exercentes do poder compreender que o problema do país não são os servidores concursados, mas aqueles que, sem concurso, cuidam mais dos próprios interesses, ou do seu partido, ou de seu patrimônio ilicitamente obtido, e não dos interesses da população.

Porém, falemos da mais uma vez anunciada “suspensão dos concursos”.

Historicamente, sempre que o orçamento do Governo Federal aperta um pouco, surge logo a notícia de que os concursos serão suspensos. A notícia é veiculada assim, genericamente, pela imprensa não especializada. Isso induz centenas de milhares de cidadãos a desistirem de se preparar para os concursos. Essa desinformação, contudo, não assusta a quem conhece a área. Se você, como eu, estivesse há anos nesse meio, saberia que essas obscenidades não vão impedir os concursos.

Os concursos, por maior que seja a crise, continuam e precisarão continuar a ser realizados. São mais de cinco mil Municípios, 27 Estados e DF, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, Poder Judiciário e Legislativo, todos dotados ou de orçamento próprio, ou de autonomia ou, o caso mais grave, de demanda inadiável de servidores. Portanto, mesmo quando o Governo Federal suspende eventualmente seus concursos, isto atinge apenas o Poder Executivo da União, mas não os outros Poderes, e menos ainda os Estados, DF, Municípios e entidades diversas. E não impede os óbitos e aposentadorias de servidores federais, que regularmente criam mais vagas a serem preenchidas.

A análise dos concursos no âmbito do Poder Executivo da União também merece atenção. Sempre que suspensões foram anunciadas, dois fenômenos aconteceram, e vão se repetir: primeiro, foram abertas exceções para as instituições e cargos onde a demanda era mais urgente; segundo, passado algum tempo, os concursos voltaram a ser realizados, e com número de vagas maior.

Em suma, mesmo que a limitação intelectual de alguns governantes e administradores públicos coloque os concursos como “problema”, e não como “solução”, os certames públicos não são convocados quando há sobra de caixa, mas sim quando “não tem mais jeito”, quando a máquina pública está estrangulada por falta de pessoal. Diversos setores têm enorme carência, que é agravada pela enorme quantidade de aposentadorias anuais, devido à elevada faixa etária média dos servidores.

Alguns governos realizam mais concursos, outros menos, mas todos precisam realizá-los. Não há como parar os concursos: não haverá fiscal para cobrar impostos, policial para cuidar da segurança, professor para ensinar, pessoal de saúde para atender à população e por aí vai. Recentemente foi realizado um concurso para técnico do INSS, cuja carência é enorme. Os quase mil candidatos que serão selecionados não suprirão nem 10% da carência do órgão. Basta ir a qualquer posto de atendimento, onde para cada dez baias de atendimento disponíveis, apenas uma ou no máximo duas estarão ocupadas. Essa situação de carência de servidores cria dor e sofrimento para a população e, mais cedo ou mais tarde, tem que ser resolvida.

Some-se a este quadro a feliz atuação dos Tribunais de Contas, os quais vêm cumprindo seu dever de impedir as inconstitucionais terceirizações, que desrespeitam a CF, abrem espaço para malandragens e, pior, são mais custosas ao Erário do que a contratação de servidores efetivos. Todo ano mais concursos são determinados, mais cargos criados e o aumento orgânico da população traz mais demandas a serem atendidas.

Entrando, agora, na objetividade vamos aos fatos e aos números:

  • dezembro de 2007, a CPMF cai e o governo declara que os concursos serão suspensos. Resultado: no ano seguinte, 2008, houve dezenas de milhares de vagas para mais de oito mil provas diferentes, com provas realizadas em 2008;
  • março de 2011, o Governo Federal anuncia a suspensão dos concursos. Resultado: em 2011 e 2012 houve centenas de milhares de vagas, em mais de 27 mil provas diferentes (12 mil em 2011 e 15 mil em 2012), com provas realizadas em 2011 e 2012;
  • final de 2015, o Governo anuncia a suspensão dos concursos para 2016. Resultado: em 2016, e ainda estamos em junho, já tivemos concursos para preenchimento de dezenas de milhares de vagas, em mais de 10 mil provas já realizados. Em 2016, tivemos mais de 80 concursos na área fiscal, para o INSS tivemos 900 vagas, e por aí vai.

Logo, amigos, a verdade é que, em geral, infelizmente não se pode confiar no Governo, que não cumpre o que promete. No caso dos concursos, felizmente também não podemos confiar quando promete a sua suspensão. Dizemos “felizmente” menos pelos concurseiros e mais pelas pessoas que precisam dos serviços públicos. O governo adia, atrasa, enrola, mas acaba tendo que fazer os concursos. As vagas estão em aberto e há um momento em que não existe outra solução. Então, os concursos são realizados.

O dano causado é grande: primeiro à população; segundo, aos cidadãos que poderiam optar pelos concursos e desanimam. Há, porém, uma classe de pessoas que não é prejudicada, mas, na verdade, beneficiada: os concurseiros “cascudos”, ou mais antigos ou mais bem orientados. Eles são os que utilizam esses tempos de “vacas magras” nos editais para prosseguir nos estudos. Eles não desistem nem reduzem o ritmo de estudos, treinos, simulados e tudo o mais. Assim, enquanto a maior parte das pessoas permanece inerte e desesperançada, varam dias e noites, dias comuns, finais de semana e feriados… estudando e treinando. Durante esse período, andam quilômetros e quilômetros na estrada do conhecimento, que é aquela que conduz à aprovação.

O país precisa de muita coisa, listarei algumas: mais servidores, mais valorizados e treinados; sistema de eliminação mais eficiente de servidores preguiçosos e/ou corruptos; sistemas de premiação por alto desempenho; desenvolvimento de liderança, gestão e inovação no serviço público; sistemas que impeçam políticos (e parentes) sem experiência alguma de assumirem funções técnicas; sistemas que impeçam o aparelhamento dos órgãos e funções públicas a fim de que sirvam ao Estado e à Nação, e não ao Governo ou a partidos; sistemas de proteção e respeito às condições de trabalho dos servidores, de forma a impedir que interesses partidários ou criminosos obstruam a atuação dos servidores. Nesse passo, friso que servidores do Judiciário Federal, do MPF e da Polícia Federal passam anos a fio sem reajustes e com seguidos cortes orçamentários, que só podemos explicar como forma de punição por estarem trabalhando bem. Ainda na questão remuneratória, precisamos eliminar os supersalários e o exagero de cargos comissionados, boa parte ocupada por apaniguados que sequer comparecem ao local de trabalho. Em suma, precisamos de muita coisa dentro do serviço público, e muito pode haver de melhoria para ele e, consequentemente, para a população. Mas nada das evoluções passa por suspender os concursos.

A você, concurseiro, fica minha solidariedade por mais uma vez ter que ouvir essas obscenidades resultantes de pouca intimidade com o que o serviço público realmente precisa. A você, meu orgulho por saber que sua constituição genético-moral é distinta daqueles que ascendem ou querem ascender aos cargos públicos sem passar pelo crivo dos concursos. A você, meus votos de que faça como os mais bem orientados: não esmoreça, com a certeza histórica e fática de que os concursos permanecerão acontecendo e que em breve virão em ainda maior monta.

Aos governantes, meus votos de que tenham sucesso em colocar o país nos trilhos, e que entendam que parte disso não é suspender os concursos, mas realizá-los com seriedade, regularidade e qualidade, dando aos servidores treinamento e condições de atender bem ao sofrido povo brasileiro. Um povo regularmente enganado durante os períodos eleitorais, e regularmente desprezado em relação àquilo que lhe assegura, em termos de serviços públicos, a Constituição Federal.

William Douglas, juiz federal/RJ, professor universitário e escritor, pós-graduado em políticas públicas, mestre em Direito/RJ, titular da 4ª Vara Federal de Niterói, vara premiada por sua produtividade.

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